quinta-feira, 12 de abril de 2007

Deixa Falar, uma Aula de Samba

O carnaval é sem dúvida a maior festa popular expressada no Brasil. Em cada pedaço de terra deste país o coro come quando chega o mês de fevereiro. Festança, cantoria, bebedeira, fantasias, confete, serpentinas e ultimamente, em algumas cidades, troca de tapas, socos e até tiros (infelizmente). Mas os bons carnavais eram os de antigamente, quantas saudades esses antigos carnavais deixam, não? Tenho certeza que todo mundo já ouviu dizer esta frase alguma vez de um ente mais velho. Como já dizia o jornalista Sérgio Cabral, este sentimento é um processo cíclico, pois você já ouviu seu pai dizer isso, que o seu avô disse pra ele, e que com certeza já escutou o mesmo da boca do seu bisavô.

É a partir desta introdução que ouso a remerter-me aos tempos do meu bisavô, ou infância do meu avô. A década de 20 adiante, tempo em que o carnaval trazia os ranchos para as ruas.

Os ranchos carnavalescos eram reuniões de foliões que saíam às ruas em forma de cordões cantando suas músicas e tocando seus instrumentos (na maioria harmônicos, e eram acompanhados por um grande coro). E eles dividiam as vias públicas com os blocos, agremiações com um número menor de componentes. Era quase o mesmo desenho dos blocos que conhecemos hoje em dia.

Mas é no ano de 1927 que surge algo diferente que mudou o estilo e o fez que permanessece até o carnaval de hoje. No bairro do Estácio, pelas aproximações do morro do São Carlos sai na rua a Escola de Samba Deixa Falar. Fundada por um grupo de sambistas compositores que moravam pela região.

A Deixa Falar, que primeiramente foi classificada como bloco, se autodenominava “escola” porque os seus componentes eram verdadeiros mestres da batucadas e poderiam ensinar o samba para o povo. Marcada pela inovação, a escola fazia seus sambas com enredos diferentes dos ranchos (músicas que tinham fatos do cotidiano como tema, por exemplo) e era embalada por uma bateria, com os seus instrumentos de batucada, e na harmonia, apenas cavaquinho e violão. Seu ritmo, assim, era um samba batucado, se diferenciando dos maxixes que eram tocados na época.

O corpo docente da agremiação era composto, nada mais nada menos, por grandes nomes do samba como: Ismael Silva, Alcebíades Barcellos (Bide), Heitor dos Prazeres, Armando Marçal, Baiaco, Mano Edgar e muitos outros. Sambistas que hoje ainda são reverenciados e lembrados com prazer nas rodas de samba de qualidade.

Desses nomes quero aqui destacar três. A começar por Ismael Silva, que foi o responsável por separar o samba do maxixe, fazendo uma divisão diferente e acentuando a percussão, sendo então um precursor no assunto, influenciando uma linha de sambistas contemporâneos, como Noel, Wilson Batista e Ary Barroso. Depois, passo a falar de uma dupla afinadíssima, Bide e Marçal. Os dois são responsáveis por inúmeros sucessos que fizeram juntos nas décadas de 30 e 40. Bide foi o inventor do surdo de marcação e introdutor dos tamborins numa bateria de escola de samba, instrumentos que hoje são peças fundamentais. Seu parceiro Armando Marçal, foi o primeiro de uma dinastia de mestres de baterias e de grandes ritmistas. Como já foi citado neste blog, o compositor é pai de Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal) e avô de Marçalzinho.

A Deixa Falar deixou de existir precocemente, mas serviu de inspiração para escolas como Estácio de Sá, Portela, Vila Isabel, Mangueira e Império. Dá pra ver que naquela época o carnaval era bom mesmo né. Pois é, hoje infelizmente vemos cada vez mais as escolas sendo tomadas pelas multinacionais e fazendo enredos de acordo com a quantia que podem arrecadar, relacionados a quem pode investir mais. As superescolas de samba s.a realizam o atual carnaval para inglês ver, literalmente. Talvez eu não sei se vou poder falar para o meu filho que o carnaval bom mesmo era foi o que eu vivi.

Salve o Grêmio Recreativo de arte Negra Quilombo, que lá nos primórdios foi contra este movimento de banalização do carnaval, mas aí já é outro assunto, esperem.

E a história continua...

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