90 anos de Confirmação, Autonomia e Verdades.

Neste ano de 2007 o povo brasileiro tem uma comemoração especial para sua cultura. Completa-se 90 anos que o primeiro samba foi gravado oficializando, assim, a existência do ritmo. Pode-se dizer “especial” porque foi no ano de 1917 que foi dado o pontapé inicial de uma trajetória que muito contribuiu para o brasileiro adquirir uma autonomia e enfim bater no peito com orgulho e dizer que essa música, que hoje é tocada, reverenciada e ensinada nos sete cantos do mundo nasceu aqui, e também ainda é representativa na nossa sociedade.

No período pós-abolição, a então capital do país Rio de janeiro, recebeu ex-escravos advindos da Bahia que por aqui aportaram na zona portuária da cidade. A região conhecida como Pequena-África – que engloba os bairros da Gamboa, Praça Onze, Praça Mauá, Pedra do Sal e adjacências – abrigou não só os ex-escravos como também comunidades de judeus e marinheiros portugueses. Porém é a vinda dos baianos, mas exclusivamente das baianas, que interessa para a história do samba.

As velhas baianas conhecidas como “tias”, eram em sua maioria mães de santo respeitadas, cozinheiras de mão-cheia e grandes festeiras. Suas residências eram famosas por abrigar muita dança, bebida, comida e música. A mais famosa delas era a Tia Ciata que na sua casa conseguia reunir os maiores operários da música popular da época. Na sua sala de estar, os convidados dançavam juntos ao som de um chorinho suave tocado sempre por flauta, piano e violão; na sala de jantar era o pessoal do samba, a dança dessa vez era individual, e na música continha o som de instrumentos de batucada unidos aos de harmonia; Já no quintal (quando não tinha o mesmo samba), era o terreiro das danças de candomblé e capoeira.

Foi numa dessas festas na casa de tia Ciata que Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga, apresentou um samba de sua autoria em parceria com o jornalista Mauro de Almeida. Em meio a nomes como João da Baiana, Sinhô, Pixinguinha e Bucy Moreira, Donga cantou e encantou os presentes com sua obra um pouco diferente, mesclando um pouco de partido-alto e maxixe. O samba foi gravado somente em 1917 pelo cantor Bahiano e assim se tornou o sucesso do carnaval daquele ano e marcou o início dessa grande história.

A música era “Pelo Telefone” e com passar dos anos foi regravada outras muitas vezes e por diversos artistas, porém, em nenhuma delas é tocada a versão original da letra. A versão que realmente ficou conhecida foi uma sátira feita por Mauro de Almeida para alertar e zombar com o chefe da polícia daquela época, Aurelino Leal: “O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar / Que na carioca tem uma roleta para se jogar...”

Confiram aqui a versão original completa:

O chefe da folia pelo telefone manda me avisar / Que com alegria não se questione para se brincar.(bis) // Ai, ai, ai...Deixa as mágoas para trás ó rapaz / Ai, ai, ai fica triste se és capaz e verás. (bis) // Tomara que tu apanhes / Não tornes a fazer isso / Tirar amores dos outros / Depois fazer teu feitiço // Olhe a rolinha / Sinhô, sinhô / Se embaraçou/ Sinhô,sinhô / Caiu no balanço / Sinhô, sinhô / Do nosso amor / Sinhô, sinhô / Porque este samba / Sinhô, sinhô / É de arrepiar / Sinhô, sinhô / Põe perna bamba / Sinhô, sinhô / Me faz gozar / Sinhô, sinhô // O “Peru” me disse / Se o “Morcego” visse / Eu fazer tolice / Que então saísse / Dessa esquisitice / De disse que não disse // Ai, ai ,ai aí está o ideal, triunfal / Viva o nosso carnaval, sem rival // Se quem tirar o amor dos outros / Por Deus fosse castigado / O mundo estava vazio / e o inferno só habitado // Queres ou não / Sinhô, sinhô / Vir pro cordão / Sinhô, sinhô / Do coração / Sinhô, sinhô / Por este samba.”

Filho de uma baiana, o compositor Donga começou a aprender cavaquinho com 14 anos de idade. Com o passar do tempo foi trocando o seu primeiro instrumento pelo violão, e se tornou um integrante do grupo Caxangá, de onde faziam parte também o violonista João Pernambuco e Pixinguinha. Posteriormente fez sucesso depois que formou com o próprio Pixinguinha “Os Oito Batutas”, o primeiro grupo formado somente por negros realizar uma turnê internacional. Na história do sambista tem ainda outros projetos nacionais e internacionais com outros grandes nomes da música. Dentre seu extenso arsenal de composições “Pelo Telefone” foi a mais importante, não só pra ele como pra todos nós.

Axé para Donga. E a história continua...

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Cadê meu samba?

Nasci na Zona Sul do Rio de Janeiro, família de classe média, e branco na pele. Não sou nem de perto alguém que se diga que nasceu no meio do samba, apesar de meu pai ter me ensinado desde cedo a ouvir musicas de qualidade em LP´s que coleciono e me orgulho até hoje. Mas se não nasci no samba, minha paixão me fez ir até ele e com isso passei a me confrontar com duas realidades.
A primeira delas seria a vida típica da zona sul, com seus modismos importados de outros lugares, muitas vezes lugares de uma mesma cidade. Primeiro veio o funk, o forró, o pagode, o axé, culminando na nova onda do momento o “samba de raiz”.
A segunda realidade, ainda que distante de mim, foi a dos sambas genuínos, dos subúrbios cariocas, samba do centro da cidade, da tijuca, de Madureira, e por ai vai. Lugares que se orgulham de ter passado por todos os modismos conservando sua essência, sua forte cultura popular.
Falarei a partir de agora da realidade que convivo no dia a dia. O “samba de raiz” da Zona Sul.
Há um movimento que transformou o que era outrora visto como som marginal, coisa de vagabundo, de malandro, em uma nova definição “classemediana”, hoje o samba é “cult”. Dessa maneira, surgem a cada dia pseudo-intelectuais, que erguem verdadeiros altares para Chico Buarque (que obviamente tem muitas obras tanto musicais quanto literárias excelentes, e há de ser reconhecido), sem muitas vezes saber o que aquilo quer realmente expressar.
Pessoas que adoram a Mangueira, e principalmente encher a boca pra falar “essa musica é do mestre Cartola!!!” ou ainda “essa é do grande Nelson Cavaquinho”, sobre o segundo já ouvi falarem que foi uma grande pena ter morrido sem o reconhecimento merecido o qual pedia em “Quando Eu Me Chamar Saudade”, mas os mesmo que se solidarizavam com Nelson Cavaquinho, continuavam a desconhecer, porque não acredito que se possa ignorar, a luta continua de vida de Guilherme de Brito.
Quando falam em partido alto um nome surge logo a mente, Zeca Pagodinho. Acho que isso seria uma afronta ao próprio Zeca se um dia viesse a ouvir-lo. Ora, e não se fala de Aniceto, João da Baiana, Donga, Candeia? Nada disso existiu na Zona Sul? Aproveito para reproduzir um verso de Aniceto do Império: “Quando falar em partido/Quando louvar partideiro/Lembrei João da Baiana/E o velho Donga primeiro”.
O que me anima é saber que essa moda um dia acaba, e vou poder voltar dos sambas de terreiro nos subúrbios sem ouvir falarem que samba é Chico Buarque, João Donato, e outros bossa-novistas que renegaram o samba após se aproveitar o máximo da nossa mais forte cultura popular.

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É Samba que Eles Querem

É muito bonito ver o samba sendo compartilhado em todos os cantos do Rio de Janeiro.Ultimamente fico refletindo sobre esse pensamento, que flutua pelas mentes dos boêmios mais vividos que eu. Eles adoram frisar a alegria de poder novamente ouvir um samba tocando em qualquer lugar, seja dentro do seu fiel amigo Botequim, nas revigoradas casas de show da Lapa e adjacências, nas faculdades e por aí vai... (ultimamente até em boate, inacreditável).
Pois bem, sou contemporâneo de uma juventude que está vivendo o samba como o gênero musical do momento. A música que não deve faltar em todo tipo de reunião, de churrasco à festa de luxo o ritmo harmonizado entre batuques e cordas faz todo mundo dançar alegremente, demonstrando sua desenvoltura em passos cada vez mais mirabolantes. É o samba que agita a galera, que enche de brilho os olhos das meninas e também que garante status ao rapaz que está atrás do microfone, sentado numa cadeira e tocando – ou ao menos achando que toca - um pandeiro, ganzá ou tan-tan. (Até porque cavaquinho e violão são difíceis de enganar, mas mesmo assim ainda existem aqueles mais audaciosos).
Essa é a juventude dos rapazes que saem pra rua com suas camisas de botão, bermudas descoladas com bolsos dos lados e uma sandália rasteira; tudo isso unido à uma manemolência , um jeito malandro de ser (importante frisar que não são todos os adeptos deste traje que têm a mesma postura da qual vou falar). Tem uns que para caracterizar ainda mais esse estilo até colocam um chapéu de panamá. E assim, eles chegam com classe no samba desfilando seu figurino e exercitando seus "dois-pra-lá - dois-pra-cás" e rodopios mais diversos.
É a juventude das meninas que vestem aqueles vestidos da moda, ou simples saias compridas, segundo elas “que tenham a ver com o samba”, fora a florzinha no cabelo (Idem o parênteses escrito acima). E, também, é assim que elas se apresentam para o samba, onde vão esperar um desses “malandros” esticar-lhe a mão para uma dança e então praticarem todos aqueles – novamente citando – "dois-pra-lá-dois-pra-cás" e rodopios de deixar qualquer um mais tonto que sambista em dia de velório.
Grande juventude essa, que se diz apaixonada pelo samba de raiz. Ta aí, Samba de Raiz, engraçado como a juventude adora usar essa classificação, faz até parecer que ela existe. Um dia hei de perguntar pra eles o que viria a ser o Samba de Raiz. Porque eu já sei como é o Samba de Breque, o Partido-Alto, o Samba-Canção, o Samba- Choro e até o Samba-Bolero por exemplo, mas este eu ainda não consegui diferenciar. Grande também pode ser o vasto conhecimento musical, pois acham que o hit preferido - neste caso peço licença para uma brincadeira maldosa - “Sem Compromisso” foi feito por Chico Buarque. Acham também que a composição “Samba Que Nem a Rita Adora” (uma resposta para “A Rita” do mesmo Chico Buarque) é obra-prima do cantor Seu Jorge, pois foi através de suas gravações que ela teve acesso a essas poesias. Grande juventude essa, que nesse momento nem cogita em pensar em Geraldo Pereira e Luiz Carlos da Vila.
Grande juventude essa que de Beth Carvalho só quer ouvir “Vou Festejar” e “Água de Chuva no Mar” (talvez nem saibam também que essa música é de Wanderley Monteiro) e quando ela puxa “A Chuva Cai” ou “ Bar da Neguinha” acha que é a hora de comprar cerveja. A mesma juventude que adora cantar junto com Arlindo Cruz “O show Tem Que Continuar” mas vira as costas quando ele puxa “O Filho do Quitandeiro”.
Grande juventude essa que ignora a importância de eternas parcerias como Bide e Marçal; Wilson Moreira e Nei Lopes; ou Paulo César Pinheiro e João Nogueira, entre outras tantas. Que enaltece com razão Nelson Cavaquinho, mas perde a mesma quando esquece de Guilherme de Brito. Que enche o peito pra falar de Mangueira, Salgueiro, Madureira e sequer tem conhecimento sobre a região da Pequena-África, a casa de Ciata, que foi onde tudo começou.
Grande, enorme. Essa juventude que se envaidece quando olham para ela e dizem que é da terra do samba. Que gira pra lá e pra cá dançando qual o forró e não sabe usar o miudinho, o cruzado ou o machadinho. É a juventude que sabe dançar, mas não sabe sambar. É a juventude que aplaude quando os grupos da nova geração interpretam músicas de grandes baluartes, mas não tem a mesma atitude quando eles cantam autorias próprias. Não tem noção de que são esses grupos que darão continuidade a gloriosa trajetória do samba. E, acima de tudo, não sabe quais são essas bandas novas realmente talentosas (mas isso é outro assunto).
Pois é, são inúmeras as homenagens que eu posso prestar a essa juventude, talvez o texto ficaria muito grande se eu continuasse. Na maioria das vezes sou chamado de chato, de velho (apesar da pouca idade) por não fazer parte desse grupo social. Mas não me preocupo pois sei que, assim como eu, ainda existem aqueles que também vão contra esse modismo jovial. Aqueles que não vão tratar o samba como trataram o Forró há cinco, seis anos atrás. Por falar nisso, as mesmas casas que neste passado próximo eram conhecidas como patrimônios do forró carioca, hoje tocam samba, (ou se tocam o bate-coxa ao vivo, nos intervalos o DJ põe o samba pra rolar). Hoje a moda dessa juventude é samba, é samba que eles querem. E amanhã, qual será a bola da vez?
O que me resta, apenas, é pedir uma salva de palmas para essa Grande Juventude.

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O NOSSO PARTIDO

Bem galera, a partir de agora estaremos por aqui escrevendo um pouco dos nossos sentimentos e convicções acerca de uma das maiores, se não a maior, fontes da nossa cultura, o Samba.
Não pretendemos ser imparciais, nem agradar a todos, sabemos também que em muitos casos o que dissermos não será uma verdade absoluta e que muitos discordarão. Mas nosso objetivo será tentar retratar por aqui alguns dos vários pontos do samba esquecidos por muitos que vêem no samba apenas mais um modismo.
Falaremos de Noel Rosa mas sem jamais esquecer de Vadico. Falaremos de Nelson Cavaquinho mas sempre exaltando à Guilherme de Brito. E sempre que possível traremos a tona os heróis conhecidos ou anônimos do samba de terreiro e dos morros cariocas, aqueles que construíram a história e a mantém viva em sua verdadeira essência até hoje.
Contamos com a ajuda de todos para temas, curiosidades e tudo mais que possa interessar, até mesmo puxões de orelha caso venhamos a falar besteira por aqui.
Um Grande Abraço e esperamos ter a companhia de vocês a partir de agora.

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